"Medir, calcular, representar. Miniaturizar o Mundo para o aprender. O progresso da Humanidade para alcançar o domínio dos espaços, estimando e dominando as distâncias, passa pelo engenhoso artifício da cartografia. Ao historiador as formas dessas tentativas, dessas construções da percepção, conta-se o percurso dos homens numa aventura fantástica para fazer avançar o conhecimento pela invenção científica.
História da cartografia, história de um instrumento científico, instrumento mental e material que é um resultado temporal e um momento visivelmente assinalado num processo de transformação. Também história da interpretação e leitura do espaço em que se vive e das motivações para se dele sair e passar mais além. Sabendo por onde regressar. Com as distorções e os erros que os limites das técnicas em cada momento vão impondo. Do rigor possível da feitura ou da reconhecida incapacidade de o atingir, do anonimato de um esboço à orgulhosa assinatura de um obra de arte – que a cartografia também é.
Que pela sua própria qualidade pode depois e por algum tempo representar um travão ao avanço do conhecimento. Fixar indevidamente uma realidade mal observada ou mal representada pode significar um atraso ou porventura um retrocesso.
A forma final de uma carta [mapa] é em si mesma uma lição de história de uma enorme riqueza, a requerer a argúcia de análises várias em que inúmeros dados e múltiplas disciplinas têm de ser trazidos para a compreensão de um fenômeno complexo que resultou objectivado num suporte manejável. Concreto. Material. Muitas vezes opaco na sua aparência actual. Porque o código de decifração pode faltar ou apresentar-se obscuro.Perscrutar os significados globais para além das aparências é toda a tarefa do historiador, e do historiador da cartografia em especial.Difícil encargo, de morosas e pacientes dedicações, de cruzamentos de história da ciência e de história da técnica, de história da cultura e de história das mentalidades. E uma história das esperanças e das expectativas. Porque uma carta tudo isso espelha e concretiza. Testemunho de natureza especial, que há que saber desvendar com tanta persistência quanta tiveram os que a souberam e quiseram elaborar. Num tempo que passa sempre com significados múltiplos. [...]"
Joaquim Romero Magalhães
Professor da Universidade de Coimbra
Presidente do Conselho Científico da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses
Retirado de Cartografia e Diplomacia no Brasil do século XVIII
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